O ENGENHEIRO ESPECIALISTA EM PATOLOGIAS DA CONSTRUÇÃO

A palavra Patologia, de origem grega (páthos, enfermidade, e lógos, estudo), é extensivamente utilizado em várias áreas da ciência, com nomenclaturas do objeto de estudo que mudam de acordo com a especialidade. Sua aplicação em campos como as Ciências Biológicas é comumente enquadrada, por se tratar de estudos investigativos referentes às mudanças estruturais e funcionais das células, tecidos e órgãos, causadas por enfermidades. A introdução desses estudos, em diversas especialidades médicas, começa ainda na fase de graduação, com métodos de investigação das enfermidades, estabelecimento de previsões, tratamento e a prevenção, temas que serão abordados posteriormente neste trabalho. No entanto, apesar de o termo patologia estar consolidado na área de reabilitação e conservação de edificações, é frequente observar situações em que sua aplicação é incorreta, resultado da falta de qualificação e consciência profissional sobre a importância do uso da terminologia de forma adequada.

Engenharia inspirada na medicina

Na esfera médica, a patologia compreende tanto a investigação científica básica quanto a aplicação clínica, focando no estudo das transformações estruturais e funcionais das células, tecidos e órgãos que estão sujeitos, ou podem estar, a doenças que afetam o sistema. Todas as enfermidades possuem uma ou mais causas que agem por meio de mecanismos específicos, gerando alterações morfológicas e/ou moleculares nos tecidos, resultando em mudanças funcionais no organismo ou em partes dele, manifestando-se através de sintomas.

Durante a fase de estudos, é crucial explorar novas abordagens para prevenir doenças ou sua disseminação. Esse esforço é conhecido como “profilaxia” (do grego, prophýlaxis = precaução). Foi exatamente esse contexto vindo da medicina que motivou engenheiros civis a adotarem termos médicos na engenharia civil, muitos dos quais já são amplamente aceitos e utilizados em livros adotados nos cursos de graduação em engenharia civil em todo o mundo.

Esse intercâmbio terminológico surge das semelhanças entre os objetos de estudo desses dois campos tradicionais de formação: o ser humano e a edificação. É fácil estabelecer um paralelo e compreender que o esqueleto humano pode ser comparado à estrutura do edifício, onde a musculatura se assemelha às alvenarias, a pele pode ser comparada aos revestimentos, o sistema circulatório equivale às instalações elétricas, de gás, esgoto e água potável, enquanto o aparelho respiratório corresponde ao sistema de ventilação (incluindo janelas, ar-condicionado, sistemas de exaustão, etc.).


As semelhanças entre medicina e engenharia civil não param por aí. Quando uma estrutura enfrenta problemas, é comum realizar reparos, uma prática que pode ser comparada ao remédio prescrito na medicina. Este é um dos temas centrais discutidos neste trabalho, pois da mesma forma que um médico não administra um medicamento sem compreender a doença e suas causas, solicitando exames para confirmar essas questões quando necessário, a engenharia civil, durante décadas, agiu como uma medicina que não realizava diagnósticos nem investigava a origem do problema.

Os serviços de reparo eram, e ainda em alguns casos são, executados sem o envolvimento de especialistas na área de patologia das construções. No entanto, isso tem mudado em diversos aspectos. Embora algumas empresas de menor porte ainda não incorporem toda a teoria de patologia das construções desenvolvida nas últimas décadas para diagnosticar de maneira precisa a situação e especificar os materiais e procedimentos de recuperação, há um crescente acesso ao conhecimento por parte dos profissionais da área. Eles estão sendo formados com uma base sólida nesse campo e estão sendo cada vez mais requisitados pelo mercado.

Essa mudança representa uma vitória para a engenharia civil, resultado do compromisso de vários professores e pesquisadores das universidades em promover essa abordagem de formação crucial nos dias de hoje. Isso reflete a crescente preocupação com construções mais sustentáveis e duráveis.

Assim, a patologia aplicada às edificações se dedica ao estudo de anomalias ou problemas (equivalentes a possíveis doenças) do edifício e às alterações anatômicas e funcionais provocadas no mesmo. Essas “doenças” podem ser adquiridas congênita ou adquiridas durante a execução da obra (devido ao uso inadequado de materiais e métodos construtivos) ou na concepção do projeto, ou ainda ao longo de sua vida útil. A “morte” da estrutura, nesse contexto, seria comparável à sua ruína. Dependendo do tipo e da escala da obra, a ruína de uma edificação pode resultar na perda de centenas de vidas, além de prejuízos financeiros consideráveis.

De forma geral, as perdas financeiras decorrentes dos processos de degradação das estruturas são substanciais. Para exemplificar, nos Estados Unidos, o custo anual apenas relacionado à corrosão atinge 3,1% do PIB, totalizando US$ 276 bilhões, enquanto no Brasil esse valor é de 3,5%.

Entretanto, a longevidade dessas estruturas pode ser estendida quando esses problemas são adequadamente tratados.

Na medicina, várias terminologias são empregadas em conjunto com o termo patologia. Na engenharia civil, diversos termos, com significados relacionados à medicina (encontrados em dicionários), podem ser utilizados, desde que os objetos de estudo estejam ligados aos materiais em edificações. Aqui estão alguns exemplos:

  • Profilaxia das edificações (do grego prophýlaxis, “cautela”): envolve a aplicação de medidas para prevenir as “doenças” (anomalias ou problemas) do edifício, bem como sua propagação;
  • Diagnóstico (do grego diagnosticu, dia = através de, durante, por meio de + gnosticu = alusivo ao conhecimento de): refere-se ao entendimento (efetivo ou em confirmação) sobre algo, no momento de sua análise, e à descrição minuciosa do problema patológico;
  • Prognóstico (do latim prognosticu - pro = “antecipado, anterior, prévio” + gnosticu = “alusivo ao conhecimento de”): é a estimativa da evolução do problema ao longo do tempo, com base no diagnóstico e nas possibilidades terapêuticas;
  • Terapia (do grego θεραπεíα - «servir a deus»): representa o tratamento para uma determinada “doença” pela medicina tradicional ou por meio de terapias alternativas, incluindo as medidas necessárias imediatas ou a longo prazo;
  • Anamnese (do grego ana, “trazer de novo” e mnesis, “memória”): é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde ao paciente, buscando relembrar todos os fatos relacionados à doença e à pessoa doente, sendo um ponto inicial no diagnóstico.

Uma anamnese, como qualquer outro tipo de entrevista, requer métodos ou técnicas específicas para ser aplicada de forma adequada. Ao seguir essas técnicas, é possível otimizar o tempo disponível para o atendimento, resultando em um diagnóstico preciso e um tratamento eficaz. Na medicina, é reconhecido que uma anamnese bem conduzida é responsável por 85% do diagnóstico na clínica médica, reservando 10% para o exame clínico (físico) e apenas 5% para os exames laboratoriais ou complementares. No entanto, na Engenharia Civil, ainda não há dados disponíveis que estimem essa distribuição de responsabilidade.

Patologia x manifestação patológica

O uso equivocado da palavra “patologia”, tanto por leigos quanto por profissionais técnicos, é um equívoco frequente. É comum ouvirmos a palavra “patologia” sendo empregada para descrever o que, na verdade, deveria ser chamado de “manifestação patológica”.

Em termos precisos, uma manifestação patológica é a expressão resultante de um mecanismo de degradação, enquanto a patologia é uma ciência composta por um conjunto de teorias que busca explicar o mecanismo e a causa da ocorrência dessas manifestações patológicas. Portanto, é evidente que a patologia é um termo muito mais abrangente do que manifestação patológica, uma vez que ela é a ciência que estuda e tenta explicar tudo relacionado à degradação de uma edificação.

Assim, uma fissura não é uma patologia, mas sim um sintoma cujo mecanismo de degradação (ou “doença”) pode ser corrosão de armaduras, deformação excessiva da estrutura, reação álcali-agregado, entre outros. O tratamento (ou seja, o que fazer para restaurar a estrutura) deve levar em consideração as causas dessa “doença”.

Outro uso incorreto do termo ocorre quando se refere à patologia no plural, como se fossem várias manifestações patológicas. A ciência da patologia é única e tem aplicações em diversas áreas do conhecimento. No campo da construção civil, é comum encontrar esses usos inadequados, até mesmo para designar nomes de disciplinas universitárias e institutos ou empresas especializadas nesta área.

Formação na engenharia civil


Atualmente, a formação dos profissionais nas universidades brasileiras, em sua maioria, não os prepara para atuar na área de patologia das construções desde o início de suas graduações. Dada a necessidade de um amplo conhecimento sobre o funcionamento das construções, que envolve desde reações químicas até solicitações mecânicas, esse campo da engenharia civil é tratado como uma especialidade. Embora em algumas universidades a disciplina de patologia das construções seja oferecida como opcional na graduação, também é ministrada em cursos de pós-graduação. Além disso, a demanda por conhecimento nessa área tem levado ao surgimento de novos cursos de especialização em patologia das construções, visando suprir a falta de informações para os profissionais atuantes no mercado, dado a importância dessa ciência na prática diária dos engenheiros civis.

É fácil compreender que os alunos graduados em engenharia civil precisam, ao término de seus cursos, possuir noções sobre essa área. Isso os tornará profissionais mais completos e capacitados para projetar e construir estruturas duráveis e eficazes em seu desempenho. Analogamente, na medicina, a patologia clínica ou medicina laboratorial é uma especialidade médica que visa auxiliar os médicos de diversas áreas no diagnóstico e acompanhamento clínico de condições de saúde e doença. No Brasil, essa especialidade é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como patologia clínica ou medicina laboratorial, diferenciando-se da patologia cirúrgica ou anatomia patológica, que se concentra na análise de tecidos sólidos do corpo humano, geralmente obtidos por meio de biópsias.

Para se tornar um médico patologista clínico no Brasil, é necessário completar os seis anos regulares do curso superior de medicina, seguidos por mais três anos de residência médica, incluindo um ano em clínica médica e dois anos em laboratório de análises clínicas.

Comparando com a engenharia civil, alguns cursos de especialização na área têm uma duração média de cerca de dois anos. Esses cursos abordam uma variedade de disciplinas, como Mecanismos de Degradação, Sintomatologia e Ensaios para Diagnóstico, Vida Útil, Métodos de Avaliação, Produtos para Recuperação, Técnicas de Recuperação, Sistemas de Impermeabilização, Diagnósticos de Estruturas de Concreto, Problemas Técnicos Jurídicos nas Construções, entre outros. Eles também estudam os diferentes mecanismos e manifestações patológicas em diversos elementos estruturais, como Pisos Industriais, Revestimentos, Pavimentos Rígidos, Pavimentos Flexíveis, Fundações, Pontes e Viadutos de Concreto, Alvenarias e Monitoração Estrutural.

No entanto, não é obrigatório fazer uma especialização para atuar como patologista das construções. Isso significa que um profissional sem essa especialização pode correr o risco de cometer erros na avaliação, tratando apenas os sintomas em vez de abordar as causas subjacentes do problema.

Atualmente, há uma variedade de técnicas disponíveis para diagnosticar manifestações patológicas. Esses incluem ensaios destrutivos e não-destrutivos que foram desenvolvidos para prognosticar problemas nas edificações. Esses ensaios podem fornecer uma ampla gama de informações, como mapeamento das estruturas, dimensões, condições físicas e parâmetros associados aos processos de deterioração ou risco de danos estruturais. Portanto, é recomendável consultar especialistas para determinar a melhor abordagem e garantir análises precisas e confiáveis.

Apesar da variedade de terapias disponíveis, desde revestimentos especiais até técnicas eletroquímicas, é fundamental melhorar a qualidade das obras desde o início, a fim de minimizar problemas futuros.

Com o avanço da tecnologia, a automação e informatização dos processos de análise se tornaram comuns. Por isso, é essencial que os profissionais tenham conhecimentos básicos em informática para acompanhar essas mudanças.

Considerações finais

Frequentemente, as manifestações patológicas estão diretamente ligadas aos materiais utilizados e aos processos construtivos, revelando a falta de familiaridade dos profissionais do setor com as normas aplicáveis e a negligência na execução adequada do concreto.

Na maioria dos casos, a adesão estrita às normas poderia prevenir ou ao menos retardar significativamente os mecanismos de degradação das estruturas (ou “doenças”). O cumprimento das normas não é apenas uma questão de conformidade com o Código de Defesa do Consumidor (conforme o artigo n° 39 do Código de Defesa do Consumidor), mas também uma orientação fundamental para os profissionais seguirem as melhores práticas, minimizando assim a ocorrência desses problemas.

Considerando a disparidade entre a importância da patologia na medicina e na engenharia, conforme destacado neste estudo, é fundamental ressaltar uma das principais razões por trás dessa diferença: a persistência de valores culturais arraigados nas áreas influentes das edificações, em contraste com a medicina. Percebemos uma forte manutenção desses valores, que ainda prevalece sobre a mentalidade de construtibilidade e sustentabilidade nas construções. Esse fenômeno não se restringe aos profissionais envolvidos, estendendo-se também aos contratantes (clientes), que muitas vezes encaram as atividades de um especialista nesta área como um custo adicional à obra, sem plena compreensão dos riscos envolvidos.

Infelizmente, ainda não alcançamos o mesmo nível de reconhecimento e respeito para os especialistas em engenharia como ocorre na medicina, onde são valorizados por seu papel essencial na prevenção e cura de doenças humanas. Diante disso, torna-se essencial uma atuação mais precisa por parte dos órgãos competentes de fiscalização para promover a disseminação dessa especialidade e garantir acompanhamento efetivo na execução de obras de todos os portes.

No entanto, os investimentos em pesquisa na área da patologia das edificações ainda são insuficientes quando comparados à atenção dedicada à patologia na medicina. A falta de estímulos para a especialização e o uso de ensaios específicos que demandam mão de obra qualificada também limitam a difusão e aplicação efetiva dessa ciência nas engenharias e áreas afins.

Apesar dos avanços observados, tais esforços poderiam ser potencializados e tratados como uma prioridade. O estímulo ao progresso nessa área poderia contribuir não apenas para evitar acidentes, mas também para melhorar a qualidade e durabilidade das construções.

Por fim, é fundamental reconhecer que o incentivo ao avanço na área não apenas previne acidentes, mas também contribui para a melhoria contínua da qualidade e durabilidade das construções.

O atendimento às Normas Brasileiras e a atenção a alguns cuidados construtivos, como respeitar o ambiente ao qual a estrutura estará sujeita e empregar técnicas para mitigar os efeitos ambientais sobre as edificações, são requisitos cruciais para prevenir a ocorrência dessas manifestações. A adoção conjunta desses princípios deve contribuir para evitar o surgimento frequente de problemas em edificações antigas e novas.

As normas, nesse contexto, representam não apenas qualidade, mas também economia, enquanto a falta de qualidade resulta em desperdício e custos adicionais.

Atualmente, o Programa de Pós-graduação em Construção Civil (PPGCC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) destaca-se como um dos centros de pesquisa que estuda e forma profissionais capacitados para atuar na área de patologia das construções. Com uma duração de dois anos, o programa oferece disciplinas sobre patologia e possibilita que os alunos desenvolvam suas dissertações nessa área de pesquisa. O processo seletivo ocorre anualmente entre outubro e novembro, com mais informações disponíveis no site: www.ppgcc.ufpr.br.

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Referência: Patologia das construções: uma especialidade na engenharia civil Por Fernando Benigno da Silva Edição 174 - Setembro/2011

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